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7 de abril de 2016

{CRÔNICAS E TEXTOS} Nightingale

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Olá! O texto de hoje é da autora de fanfics Elza Emanuelly, e esse texto é o começo da sua nova fanfic e foi baseado num sonho com seu ex-namorado onde sofriam um acidente de carro em que ela morria e ele tem lembranças sobre ela enquanto era viva. Espero que gostem!

 

Essa coluna é irregular, por isso não tem data de postagem, mas se você quiser participar, fica aí o convite para esse espaço de textos! Envie-nos por e-mail ou no Facebook. (Com título, claro). Se quiser aparecer, mande sua foto, além do nome e o que quiser. ^-^ Idade, de onde é, porquê o texto, uma breve explicação, etc.

NIGHTINGALE

    Suas expressões curiosas fazem o primeiro som quando, finalmente, consigo abrir os meus olhos. Está nublado e as nuvens fazem jus aos meus sentimentos. Essa sensação não pode mais ser chamada de dor, pois não sinto mais o latejar dos cortes e nem mesmo consigo recordar-me de como é sentir o gosto do sangue escorrendo pela minha boca. Meu corpo em convulsão demorou a ser aliviado, lentamente tomado pelo que agora eu chamaria de frio. Nada me incomoda, apenas estar longe. Apenas não estar com você.
    Com suaves inspirações, é como se a sua imagem ficasse menos embaçada. Admiro suas mãos enquanto descansam sobre seus joelhos, você, sentada neste sofá pardo, contra a claridade de sua janela. Sempre bela, frágil, perdida.

     Seria melhor se estivesse em plena escuridão, ao menos saberia que existe algo sob toda essa camada negra. A luz, porém, lhe envolve num cenário ilusório, onde não se pode esconder nada. E não há nada, é o que você está pensando.

    Tardes de amor, nesse mesmo sofá, e essa mesma escuridão, que jamais conseguiu apagar a sua luz.
Coloco minhas mãos em meu rosto, mas não consigo mais saber como são as lágrimas. Posso me lembrar do gosto, salgadas, mas elas não caem.
    Suas pernas esticam-se e você caminha pelo cômodo, encarando os quadros na parede, mirando a cena instalada no outro lado da janela que, em parte, está coberta por cortinas brancas e limpas. O aroma do outono, a estação do ano que costumava ser a sua favorita, entra pelas frestas levado pela brisa intrusa e morna. O objeto que você segura treme em conjunto com seu corpo, porque você ainda se lembra de como tudo aconteceu nos anos anteriores. Naqueles muitos dias solitários e vazios em que você olhou em meus olhos e disse que não tinha ninguém. Você tem. Eu respondi

Não somos mais eu e você, apenas nós. 
Você não consegue esquecer.

    Seu olhar recai sobre o jardim, as talhas de madeira apodrecendo sobre o gramado verde. Estão lá desde a última vez em que as toquei e você me disse que ficaria feliz se esculpíssemos um suporte para a foto que você nunca quis mostrar a ninguém por achar que era muito íntima, muito nossa. E você conhece todas as falas ditas naquela tarde, todos os gestos produzidos. Disse que faríamos um desenho tão bonito quanto este que pode ser visto na caixa de madeira nas suas mãos. Que pode ser sentido. A ponta de seus dedos passeiam pelas curvas lisas e envernizadas. Seu tato consegue lê-las.
    Estico minha mão para te tocar, mas não te alcanço.

    E o silêncio que você transmite chega a fazer-me imaginar meu corpo sendo cortado em pedaços. Você não sorri, apenas volta ao sofá e larga a caixinha de madeira sobre o móvel. Seus passos na escada são apressados e, ao chegar ao nosso quarto, você se depara com o despertador, que soa alto. Nove e trinta e cinco. Busca pelo casaco bege claro e o veste. Desce as escadas e se depara com o calendário. Uma data que eu não quero recordar.

    É como se minhas mãos também tremessem, mas, quando olho para elas, estão imóveis ao lado de meu corpo, enquanto assisto as pessoas lhe cumprimentarem. Você apenas acena com a cabeça, sorrindo fracamente, e quando dá as costas, os murmúrios ressurgem. Dizem ter pena, dizem querer encontrar um meio de te ajudar, mas nada fazem. 
    Nunca fizeram.
    Você não quer compaixão. Seu espírito livre de sagitariana jamais permitiria isso.
    Abro a porta do carro e tiro de lá os seus fones de ouvido, que praticamente eram parte de você. Guardo as chaves no bolso, caminhando para fora do jardim. São trinta passos até o ponto de ônibus mais próximo, rumo que eu tomava quando acordava e apressava-me para não chegar atrasado ao trabalho. E você dizia que eu deveria ter despertado mais cedo para acompanhá-la nos nossos últimos minutos juntos.

Porque você cantava e queria que eu estivesse lá para te ouvir.

    Sento no primeiro banco antes da porta central do ônibus, encolhendo-me do vento gelado que adentra o veículo, e vejo através das janelas sujas a nossa rua distanciar-se conforme os sons da cidade crescem. A mistura tão urbana de ruídos só serve para deixar-me mais próximo de querer ser tomado pelo choro. O som é abafado quando eu coloco o protetor sobre os ouvidos, prendendo o meu cabelo no aro do objeto, porém, as sensações ainda são as mesmas, me perdendo em sua voz doce, repetindo as palavras de uma canção que um dia eu fiz pra você.
    O motor. O rangido do metal da porta. O som do freio no primeiro farol vermelho.
    Agradeço mentalmente por chegar logo e desço depressa, com as mãos nos bolsos, o sapato molhado por conta da poça d'água na calçada. Respiro fundo, sentindo a garganta congelar com o ar frio.
    E meu corpo estremece, como em todas as vezes em que estive aqui.

    Te encontro com facilidade, o caminho decorado na memória, cravado em concreto e placa de bronze. Encontro alguns conhecidos que sorriem e me cumprimentam e, dessa vez, eu apenas aceno com a mão. Eles partem, sabendo que será sempre assim, todas as vezes em que me virem.
    Porque desde aquele dia, ninguém mais soube como era a minha voz.

    "É uma espécie de trauma, é comum nesses casos."
    As cordas vocais são duas fibras musculares situadas na laringe. E as minhas estão perfeitas, mas decidi não mais utilizá-las. Como se tivesse desaprendido a falar, não mais demonstro reações audíveis. Eu não quero demonstrar.
    Durante meses viveu rodeada de pessoas que insistiam em criar conexões fortes o suficiente para fazê-la abrir-se verbalmente, em vão. E nem eu mesmo conseguia recordar-me de como ela era, a voz que eu dizia adorar ouvir, o tom que eu insistia em ter dentro dos meus ouvidos enquanto assistia você, seus olhos se fechando e se abrindo, direcionando as palavras cantadas diretamente à mim.
"Você não pode viver assim, Eric!"
Muitos repetiam.
Mas muitos não entendiam que o que havia se perdido não era o seu dom.

As pessoas admiravam a sua voz.
Mas, eu sabia que sempre que você cantava, não era com a intenção de agradar a mais ninguém. Estava se declarando à mim. Pedindo desculpas pelas brigas passadas, agradecendo por eu estar ali. Usando aquela canção para me fazer entender que você era tudo o que eu precisava. E eu retribuí com minhas palmas que, mesmo misturadas ao som das palmas de todos naquele auditório, conseguiam atingir você em cheio. Você procurou por mim e curvou-se na finalização.
    E seus olhos estavam marejados.
    Seu coração estava marejado.
    Porque, de alguma forma, você sabia que seria o nosso último dia juntos.

"apenas feche os olhos
e cante pra mim
eu vou ouvir você
sempre perto de você
e eu vou te dar as palavras
apenas cante pra mim’’

   Suas mãos curiosas fazem o primeiro som quando novamente consigo abrir meus olhos. Ainda está nublado e as nuvens fazem conjunto aos meus sentimentos. Não pode ser chamado de dor, pois não sinto mais o latejar dos cortes, mas agora consigo recordar-me de como é sentir o gosto do sangue escorrendo pela minha boca. Meu corpo parece querer entrar em convulsão, lentamente tomado pelo que agora eu chamaria de frio. Nada ainda me incomoda, apenas não estar com você.
    No segundo seguinte, porém, você se senta no gramado úmido, sem se importar com as manchas que serão formadas no tecido da sua roupa. Vejo a sua foto no túmulo, os olhos correndo pelas datas nele escritas. Meus ombros murcham e sinto os meus músculos relaxando, espantando a tensão que me tomara desde que havia acordado.
    Com suaves sopros, é como se a sua imagem ficasse menos embaçada. Admiro suas mãos enquanto descansam sobre seus joelhos, você, convivendo com a claridade dessa manhã. Seria melhor se estivesse em regressão, ao menos saberia que ao voltar para casa poderia encontrar-me no jardim, terminando o molde para a nossa última foto. A luz, porém, lhe envolve num cenário ilusório, onde não se pode esconder nada. E não há nada, é o que você está pensando.
    Não há nada que possa te fazer pensar que eu não estava ali.
    Porque eu estava.
    Coloco minhas mãos em meu rosto, mas não consigo mais saber como são as lágrimas. Posso me lembrar do gosto, salgadas, mas elas não caem.
    Não as minhas.
    Lembro o dia em que eu te disse: 'A gente para de dar valorizar aquilo o que tem nas mãos'
    Tento tocar o seu rosto e, dessa vez, eu o sinto. Pele morna e macia, corada por causa do frio. O outono de brisa leve que, naquele horário, se parece muito com uma tarde de primavera. Você não diz nada, apenas fecha os olhos e os punhos, como se fosse difícil demais fazer o que pretendia.
    E nós dois temos certeza de que ainda é possível buscar a felicidade, assim como fazem todos os mortais.
    Porque eu estou do seu lado. Em todo esse tempo, eu sempre estive.

    E você sempre soube.
    Porque você está cantando para mim.

                                                                                    "apenas feche os olhos

  e cante pra mim"

 Elza Emanuelly

Elza tem 27 anos, sagitariana e mora em Palmares, PE. É mãe, leitora voraz e tem  Menina Morta-viva e Réquiem para um Sonho como seu livro e filme preferidos. Ela publica seus textos no site Fanfic Addiction (está em manutenção no momento mas não deixem de conferir depois!).

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